PET MAT - UNB

O grupo PET (Programa de Educação Tutorial) dos alunos de Matemática da Unb (Universidade de Brasília) realiza trabalhos de pesquisa, extensão e ensino na área matemática. Por meio deste blog, pretendemos divulgar os nossos trabalhos para comunidade.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Matemática e... Zumbis?

Existe alguma relação entre a Rainha das Ciências e uma criatura que se originou no sistema de crenças do Vudu Afro-Caribenho e que tomou de assalto a cultura ocidental nas últimas décadas? Achava que não? Bem, hipoteticamente, sim.

O artigo When Zombies Attack!: - Mathematical Modelling of an Outbreak of Zombie Infection (Quando os Zumbis Atacam!: Modelagem Matemática de um Surto de Infecção Zumbi), escrito por três estudantes das Universidade de Carleton e Ottawa, do Canadá -- Philip Munz, Ioan Hudea, Joe Imad sob orientação do professor Robert J. Smith?, sim, a interrogação faz parte do sobrenome -- será publicado em uma (sem desmerecer a pesquisa) obra séria sobre modelagem matemática de doenças infecciosas e é, segundo os próprios autores, o primeiro dedicado à hipótese de que, um dia, os mortos caminhem sobre a Terra. E ainda conjectura sobre o que os vivos deverão fazer.


Zumbis?

Tivemos o primeiro contato com o mundo (ficcional, felizmente) infestado por zumbis no século XIX com o Frankenstein de Mary Shelley. Mesmo não apresentando uma sintonia completa com o conceito de zumbi contemporâneo, o mais importante/aterrorizante estava lá. Um morto (partes de vários, no caso) estava andando sobre a terra. Os mortos-vivos, como os conhecemos atualmente, surgiram com a seminal obra do cineasta norte americano George A. Romero The Night of the Living Dead, (lançado no Brasil como A Noite dos Mortos-Vivos), filmado em 1968. Os zumbis passaram a ser definidos como uma mistura de mortos-vivos com vampiros bem menos sofisticados e elegantes, infectando os humanos suscetíveis através de suas mordidas. Com os custos de produção pouco superiores a 100 mil dólares, o filme foi um sucesso de bilheteria, mesmo encontrado resistência dos críticos, ocupando o posto de clássico cult. Mais ainda, pavimentou a estrada que vem sendo percorrida por muitos outras obras, filmes, séries de televisão, jogos de vídeo-game, posteres, bonecos, peças de teatro, musicais, enfim, em toda as partes indústria do entretenimento eles estão presentes.

Lentos, não muito inteligentes mas muito famintos, os zumbis de Romero tomaram conta do imaginário ocidental. A exposição de temas sociais controversos (não muito profundas nem sutis, é bom que se diga) também são temas recorrentes de muitas produções, dentre eles o consumismo desenfreado, a xenofobia, opressão por parte de governos totalitários, seitas apocalípticas, aborto...


Modelagem?

A Modelagem Matemática é um ramo muito abrangente da matemática aplicada. Grosso modo, ela tenta facilitar o processo de derivar algum significado de observações quantitativas. Temos modelos para inúmeros e diversos cenários não apenas em Ciências Naturais e ramos da Engenharia, mas também nas Ciências Sociais e Humanas Aplicadas, usualmente muito distantes da Matemática. Seja para saber se devemos tirar os nossos guarda-chuvas do armário amanhã ou para explicar como aquela mega corporação passou a ter menos dinheiro do que você da noite para o dia, eles estão em todas as áreas.


O Artigo

Uma tradução do seu resumo:

Os zumbis são uma figura popular na cultura pop e são geralmente representados como sendo trazidos por meio de um surto ou epidemia. Consequentemente, nós modelamos um ataque zumbi, utilizando suposições biológicas baseadas nos filmes populares de zumbi. Introduzimos um modelo básico de infecção, determinamos seu equilibrio e estabilidade, e ilustramos o resultado com soluções numéricas. Em seguida refinamos o modelo para introduzir um período latente de zumbificação, no qual humanos estão infectados, mas não são infecciosos, antes de virar mortos-vivos. Em seguida modificamos o modelo para incluir os efeitos de uma possível quarentena ou cura. Finalmente, examinamos o impacto de reduções impulsivas, regulares no número de zumbis e derivamos condições sob as quais a erradicação possa ocorrer. Mostramos que somente ataques rápidos e agressivos podem protelar o cenário do fim dos tempos: o colapso da sociedade enquanto os zumbis nos sobrepujam.

O primeiro modelo de infecção é, em termos gerais, muito simples. São consideradas três classes básicas, que por sua vez são suficientemente auto-explicativas. A seguir, uma apresentação sucinta do diagrama que acompanha este modelo primário:


Classes

  • Suscetível (S);
  • Zumbí (Z);
  • Removido (R), esta talvez seja a única que exija uma explicação: seria inadequado, dado o cenário, considerar uma classe M dos "mortos", mas à esta classe pertencem todos os indivíduos, humanos ou zumbis, que foram "derrotados".


Explicando o diagrama

Π (pí) representa a taxa de nascimentos. O parâmetro δ (delta) indica os os indivíduos pertencentes à classe S que faleceram por causas naturais, considerando uma “causa natural de morte” apenas como não relacionada a um ataque zumbí. O parâmetro ζ (zeta) indica humanos que pertenciam à classe R mas que ressuscitaram e tornaram-se zumbis. O significado de α (alfa) é a taxa pela qual um ser pertencente a S pode evitar a zumbificação derrotando o zumbi durante um encontro. O parâmetro de transmissão β (beta) indica a infecção de um suscetível por um zumbí. Apenas os humanos podem ser infectados, já que o apetite de um zumbí os privilegia muito, especialmente o que se encontra dentro de suas caixas cranianas.

A partir daí, este e os outros modelos se tornam consideravelmente mais sofisticados, utilizando, como é usual em Problemas de Modelagem, Equações Diferenciais e Álgebra Linear. Ao fim do trabalho os autores incluíram um código muito bem documentado para construir a modelagem no MATLAB.

É uma leitura interessantíssima para quem se interessa pelas duas coisas, e, acima de tudo, divertida. A conclusão é que, a maneira mais eficiente para conter o avanço das criaturas é atacar duro e atacar sempre. Mesmo apresentando um certo tom apocalíptico, os próprios autores esclarecem, no tópico de Discussão:

(…) Apesar de os cenários considerados serem obviamente não-realísticos, ainda assim é instrutivo desenvolver modelos matemáticos para um surto incomum. Isto demonstra a flexibilidade da modelagem matemática e mostra o quanto a modelagem pode responder a uma variedade de desafios em 'biologia'. (meu grifo)

Download do artigo (PDF em inglês)

Press Release no site da Universidade de Carleton, CA


Adendo: Em se tratando de leituras não diretamente relacionadas à matemática, mas ainda assim, divertidas, recomendo:

  1. O Guia de Sobrevivência a Zumbis, do autor americano (e filho de Mel Brooks) Max Brooks;
  2. O ainda não lançado, Zombology: the new science of zombies, reanimation and mind control., escrito pelo inglês Frank Swain, do blog Science Punk;
  3. Apesar de ser pioneiro ao considerar uma abordagem utilizando Modelos Matemáticos, cheguei a um artigo chamado Cinema Fiction vs Physics Reality - Ghosts, Vampires and Zombies (Ficção do Cinema vs Realidade Física - Fantasmas, Vampiros e Zumbis).